'As Esganadas' mistura suspense policial com tiradas de humor
Ana Rita Martins - Jornal da Tarde
No Rio de Janeiro do final dos anos 30, um serial killer atrai mulheres gordas com acepipes, pratos e doces portugueses para, então, matá-las. Esse é o mote de As Esganadas, novo livro de Jô Soares, que segue uma linha já traçada pelo autor em obras anteriores: a de misturar suspense policial com tiradas de humor. Nessa obra, porém, Jô entrega já no início quem é o assassino e suas motivações. A graça da história, na verdade, é acompanhar as trapalhadas do departamento policial para prender o assassino.
Epitassio Pessoa/AE
Detetive e assassino têm em comum o amor pela culinária
É aí que entram o detetive Mello Noronha e seu assistente Valdir Calixto, com reforço do investigador português Tobias Esteves. Esse último, aliás, rende os melhores momentos da história. Além de se valer de ditados portugueses que não fazem sentido, como "diz-me com quem andas, se não for eu, não vou", o gajo ainda possui uma lógica baseada em obviedades - o que faz dele uma piada de português ambulante. Para completar a personalidade insólita, é dono de uma confeitaria.
A culinária, aliás, perpassa todo o livro, podendo causar fome no leitor. Tobias e o assassino, por exemplo, estão sempre relembrando, comendo ou preparando suas receitas preferidas. As vítimas, por sua vez, não conseguem se conter ao ver os preparados apetitosos do serial killer.
Toda essa narrativa foi ambientada no Rio de Janeiro do Estado Novo, tendo ao fundo o avanço do nazismo e a iminência da Segunda Guerra Mundial. Sob esse contexto, Jô Soares construiu uma trama híbrida de realidade e ficção. Os personagens fictícios têm laços com personagens que existiram. Mello Noronha, por exemplo, é subordinado a Filinto Müller, que foi um temido chefe da polícia de Getúlio Vargas.
Essa utilização de personagens e fatos históricos dá vida a um dos melhores capítulos da obra. Nele, o escritor intercala a perseguição do assassino a uma freira com a narração da semifinal da Copa do Mundo de Futebol, em 1938, entre Brasil e Itália. Recurso tradicional em romances policiais, a estratégia de alternar duas situações que prescindem o desfecho é acertadíssima e eleva o nível de tensão da trama.
Outro recurso bem empregado é o de fazer da repetição um elemento de humor. Jô Soares trabalha isso no discurso e na atitude de seus personagens. Assim, Tobias repete seus ditados portugueses, Mello Noronha destila seu mau humor e Calixto - covarde, apesar de seu 1,90m - sempre escapa das cenas de crime. Essas piadas prontas acabam gerando identificação e simpatia no leitor.
A própria escolha dos tipos vai pelo caminho tradicional de se fazer rir. Os protagonistas do livro lembram figuras do programa Viva o Gordo, apresentados pelo autor na TV Globo nos anos 80. Em ambos os casos, os personagens são caricaturais. No entanto, em vez de empobrecê-los, essa previsibilidade acaba lhes conferindo consistência e graça.
fonte: Estadão
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