Basta de falar e escrever sobre natais e viradas do ano. No que me diz respeito, tal assunto já me encheu as medidas
Chega. Basta de falar e escrever sobre natais e viradas do ano. Pelo menos, no que me diz respeito, tal assunto já me encheu as medidas até a tampa. Não tenho mais saco e minha paciência não mais suporta abordar esses temas. Para mim, de há muito se faz chegada a hora de partir pra outra, de navegar outros mares de ideias, embora a maciça e massiva propaganda dessas datas nos seja repetidamente bombardeada por tudo quanto é mídia. A ordem do dia é comprar, comprar, consumir, consumir sem cessar, gastando o que não tempos para adquirir o que não precisamos. Afinal, o décimo- terceiro está aí pra isso mesmo. E todos estão mergulhando de ponta-cabeça num festival de gastança despropositada, se endividando às tontas, sem sequer pensar, por um só momento, de que o preço a pagar custar-lhes-á muito caro e, na maioria das vezes, estará furos acima de suas posses. E o orçamento doméstico que se dane e vá para as cucuias.
O que importa nessa época de falsa fartura e concreto desperdício é entrar na onda de tentação dos shoppings e deles sair com os braços abarrotados de sacolas, pacotes, embrulhos com um de felicidade bovina largamente estampado no rosto, arrastando pela mão os insaciáveis pimpolhos, que sempre querem mais do que lhes é ofertado pelos generosos papais e mamães. Estamos vivendo em plena estação na qual o amor é obrigatoriamente medido pela quantidade de presentes que ofertamos, mais nada. Aqueles infelizes que não podem consumir, dar e ganhar mimos se situam à margem da vida e só lhes resta estender a mão aos passantes, nas esquinas e nos sinais de trânsito, esmolando as parcas moedas que lhes são atiradas como os restos de um banquete. Para esses deserdados da sociedade só resta duas opções: virarem esmoleres ou partirem para o assalto puro e simples. Exagerando um pouco na dose, nos vemos cercados, por todos os lados, de pedintes e de bandidos.
Eu, que não participo desse desenfreado consumismo do Natal e fim de ano, me ponho voluntariamente à beira desse rodamoinho, permanecendo em meu posto costumeiro de observador. Não fui feito para ser mais um membro do imenso rebanho de estróinas sazonais e compulsórios que se espalham desordenadamente, invadindo a cidade para onde quer que se olhe. Porém, além de recusar-me firmemente a dançar conforme a dança, nada tenho a ver com toda essa loucura estabelecida à minha volta. E, afinal, quem sou eu para me pensar dotado do direito de julgar o comportamento alheio? Cada um faz o que bem quer e gosta, porque não sou eu quem vai pagar o custo das atitudes dos meus semelhantes. É assim que a banda toca e quem desejar pode naturalmente fazer parte do cordão dos seus seguidores, como acontece no ancestral conto de fadas do Flautista de Hamelim. Acho que poucos leram a história do hipnótico personagem pelo qual me fascinei durante as leituras da infância.
Não fui a nenhuma festinha de “amigo secreto”, porque as acho de uma chatice sem tamanho. Nem mesmo às organizadas por amigos e familiares, embora sentindo um discreto receio de que alguns se magoassem com a minha habitual ausência. Temores infundados, pois os que gostam de mim já estão acostumados com meu papel de ermitão que desempenho invariavelmente nessas ocasiões. Se não me sinto à vontade nesses congraçamentos, por qual razão iria estragar a alegria dos outros? Ah, tomara que esses dias passem rápido e logo comece o próximo janeiro, trazendo-me o desconhecido envolto em seus cueiros. Estou realmente cansado, aborrecido, aporrinhado com o furdunço que me rodeia. Preso às circunstâncias e ao calendário, só me resta esperar, cheio de ânsia, que tudo passe e tudo passará inevitavelmente, bem sei, embora seja demorada a passagem. Entanto, como o bom cabrito não berra, vou ficando na minha, nem falante nem mudo. Apenas com esse sentimento de estranheza grudado no coração de forasteiro.
fonte: Coluna Airton Monte/ O Povo
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