Apesar da classificação ruim do Ceará no ranking nacional, o estudo também revela alguns avanços locais
A dona de casa Eugênia Alves, 50, teve que fugir para a Capital na busca por melhorias de vida, para não morrer de fome ou definhar sem emprego e renda no distrito de Poranga. Ela diz que na "cidade grande" tudo foi mais fácil, dá para se viver melhor. A pesquisa divulgada ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) reforça o que pensa Eugênia. O recente estudo "Vulnerabilidade das famílias entre 2003 e 2009" apontou o Interior do Ceará como a localidade geográfica com pior índice nacional de vulnerabilidade, 34,7.
Este valor é maior, inclusive, que o de Alagoas (33,3), o campeão do ranking por Estados, incluindo as capitais. Das dez federações com numerações mais altas, oito delas são nordestinas. A unidade com melhor qualidade de vida seria o Distrito Federal, com 17 de índice geral.
Os patamares qualitativos levam em consideração, por exemplo, o acesso da população ao conhecimento, trabalho, recursos, desenvolvimento infanto-juvenil e condições gerais habitacionais. No ranking nacional do Ipea, o Ceará, incluindo Fortaleza e Região Metropolitana, apresenta o 5º pior índice, 30,3.
Apesar do cenário negativo, houve uma acentuada melhora com relação ao ano de 2003 (35,4); uma notória queda de cinco pontos percentuais no Ceará, o que elevou em 14,5% a melhoria da qualidade de vida dos cearenses em seis anos.
Expectativa
Orgulhosa de ver todos os três filhos trabalhando, entrando na faculdade e conquistando status, a dona de casa acredita que a geração de hoje terá mais êxito, qualidade e sucesso que a sua.
"Eu estudei muito pouco, sofri bastante com a seca, fome e pobreza. Hoje é diferente, todo mundo tem um celular, compra um carro e segue o rumo", afirma Eugênia Alves, moradora atualmente do bairro Montese.
Apesar da classificação ruim do Ceará no ranking nacional, a pesquisa também revela alguns avanços locais, entre os anos de 2003 e 2009, tais como: aumento de 6% no acesso ao conhecimento, crescimento de 17,8% de novos trabalhadores, 19% no acesso à educação e 28% no desenvolvimento infanto-juvenil.
Entretanto, o Ceará ainda ficou, segundo o Ipea, bem acima da média nacional de vulnerabilidade familiar. O valor não deveria ultrapassar 23,1 em 2009, mas o Estado atingiu a marca de 30,3 pontos na tal medição.
Brasil
Algumas conquistas foram sentidas no País. O índice de vulnerabilidade, em 2009, registrou melhoria de pouco mais de 14% em relação à média de 2003.
Houve, conforme o estudo, avanços significativos, especialmente, naquelas referentes à dinâmica econômica, tais como acesso ao trabalho, com queda de 20,3%, e escassez de recursos, com diminuição de 24,2%. O desenvolvimento infanto-juvenil obteve avanço proporcional, com queda de mais de 25%.
Ainda segundo o Ipea, o acesso ao conhecimento, em média, é a dimensão na qual houve menos avanços, especialmente, devido à baixa redução no indicador de qualificação profissional. No período, apresentaram elevação, os indicadores associados à presença de idoso e à ausência dos cônjuges. Outro dado é que há aumento do número de membros da família em idade ativa.
"A vulnerabilidade se concentra em Alagoas, Maranhão, Piauí e interiores do Ceará e de Pernambuco. É fenômeno que se circunscreve de forma ampla. Seja pela qualidade inadequada da habitação ou pela falta de acesso à educação. São efeitos da falta de conhecimento na profilaxia da saúde", diz o coordenador do estudo, Bernardo Furtado.
Procurados pela reportagem, o Governo do Estado não se pronunciou sobre o tal assunto.
Fortaleza obtém êxito na pesquisa
Se o Interior do Estado amargou os piores índices de vulnerabilidades familiares, a Capital obteve bom êxito, com uma redução de 15% no valor geral, passando de um índice de 27,1, em 2003, para 22,8, em 2009. O que significaria, segundo o estudo, um aumento considerável na qualidade de vida dos moradores.
Entretanto, a geração de emprego e renda ainda é um grande engodo. A pesquisa explicita: as capitais nordestinas, incluindo Fortaleza, apresentaram, sim, melhorias proporcionais em relação à outras regiões, exceto nas dimensões relacionadas ao acesso ao trabalho e escassez de recursos, isto é, a grande dependência aos programas familiares, tais como o Bolsa Família.
Realidade
Sobre a situação atual, o professor do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP/CAEN) do curso de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Manso, afirma que, primeiramente, deve se observar que a oferta de serviços públicos está intimamente relacionada com o volume de recursos. "Fortaleza dispõe de uma estrutura de benefícios públicos bem acima do que se observa nos municípios mais pobres, no entanto, mesmo assim, ainda distante do ideal, especialmente, na saúde e por causa do expressivo déficit de moradia", relata o professor.
Manso completa afirmando que, na última década e em todo o País, observou-se uma ampliação da oferta de bens públicos como educação, saúde, saneamento e abastecimento de água e, principalmente, energia elétrica, além de uma redução das desigualdades, aumento da renda média e redução dos níveis de pobreza.
As pesquisas, de acordo com ele, ainda apontam o mercado de trabalho - com a criação de novos postos e com os ganhos reais do salário mínimo - o principal responsável por esses avanços estruturais.
A colocação ruim do Ceará e do Interior do Estado chamam atenção, afirma o professor. Para ele, a nossa pobreza está, relativamente, mais presente em um ambiente de renda baixa e precária oferta de serviços essenciais.
"Para que possamos pensar em superação destas condições, é imprescindível que se ampliem a oferta e a qualidade dos serviços públicos, tendo o atendimento à pessoa humana como objetivo maior das políticas", afirma. Carlos Manso comenta ainda que é fundamental que as ações governamentais tenham coordenação.
Continuidade
Para André Menezes, coordenador do programa Bolsa Família em Fortaleza, a pobreza é algo estruturante, faz parte de um sistema de exclusão. "A universalização da educação seria uma boa maneira de enfrentar a pobreza. Mas a dificuldade da geração de emprego cria entraves".
Ele explica que a gestão municipal está integrando 13 linhas de ações do Plano Construindo uma Fortaleza sem Miséria. Dados apontam que 199.3 mil recebem o Bolsa Família.
IVNA GIRÃO
REPÓRTER/DN
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