O que seria do mundo sem os palestrantes? Talvez um lugar muito melhor. Você já deve ter reparado como este país virou alvo privilegiado deles. De epidemia nos anos 90 e 2000, passou nesta nova década à condição de peste incurável. E o assédio é total. De repente, você está no emprego, e o RH faz a convocação para todos assistirem a uma palestra sobre as lições do boto amazônico para a liderança. Acaba de sair um livro intitulado Madre Teresa CEO. Seria melhor intitular o livro de “A freira e o executivo”. Abundam especialistas em generalidades as mais inimagináveis: desportistas falam das lições de vitória aplicadas ao trabalho; ex-filósofos montam cursos de treinamento para atendentes de telemarketing; psicografia aplicada às vendas...
Todo acadêmico fracassado percebe que fazer palestra em empresa é lucrativo. Conheço vários gênios universitários promissores que trocaram seus altos ideais por um faturamento maior. Não os condeno, porque a carreira acadêmica é mal-remunerada e frustrante, e não há boa instituição que escape da pasmaceira e da rede de inveja. Acaba sendo mais lucrativo discorrer superficialmente sobre assuntos nos quais o acadêmico se aprimorou, mesmo que para uma audiência de zé-manés. Estes formam o público-alvo dos palestrantes, já que a formação no Brasil é uma vergonha. As palestras são aulas-shows divertidas, até porque os especialistas usam data show para projetar figurinhas e frases de efeito, em corpo bem grande, para todo mundo entender. Cada conferencista guarda o seu sistema de exibição. Há o piadista ou o que faz passos de funk para acordar a patuleia. Há o democrata que “abre o debate” para ganhar tempo. E também aparece às vezes o vulto professoral que defende autoajuda como se fosse uma tese de doutorado em Harvard. O cara deve ter feito curso em Harvard pela internet.Em terra de cego, conferencista é pensador. Os olhinhos brilham quando ele discorre sobre superação e cita neurolinguística, psicanálise ou uma proposição do saudoso e sempre lembrado pelas pessoas erradas Ludwig Wittgenstein. O público se sente recompensado, mesmo que seja com vidrinhos de mais falso brilho intelectual. “Vou usar este aforismo na próxima reunião!”, pensa o gerente que assiste à apresentação.
Que reis do sofisma eles são! Usam exemplos para sustentar um argumento assertivo que em geral não se apoia na realidade. Eles vendem tudo como se fosse “o Segredo”, da força do pensamento positivo à Arte da Guerra de Sun Tzu, do Cristo gênio corporativo à física quântica ao alcance de um clique, de Madre Teresa ao diabo a quatro.
As pessoas já não creem em mais nada nem têm padrões éticos ou lógicos claros. O resultado é que viraram reféns do engano bem embalado. Os palestrantes preenchem a lacuna da nossa ignorância. O problema é a superpopulação desses sábios de araque. Daqui a pouco serão tantos que vai haver gente bradando manual corporativo pelas ruas, feito pregador de Bíblia. Não quero estar por perto nesse dia.
fonte: Época
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