Nas policlínicas, o desafio é encontrar médicos dispostos a trabalhar no Interior. Os salários são um dos principais motivos para a desistência. Enquanto isso, a população dos municípios é prejudicada por falta de especialidades
Angélica Feitosa
angelica@opovo.com.br
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Na Policlínica Regional Clóvis Amora Vasconcelos, em Baturité, a 93 quilômetros de Fortaleza, já funcionou o atendimento de urologia, otorrinolaringologia e traumatologia. Hoje, quem precisa desses serviços tem de se deslocar até a distante Capital. Os médicos especialistas dessas áreas desistiram dos contratos. Para o diretor da unidade, Marcos Roberto Almeida Bastos, o problema não é estrutural ou de equipamento. A principal dificuldade é a contratação de profissionais de medicina.
“Nós já tivemos duas seleções públicas, contratamos algumas das especialidades, mas em algumas delas sequer houve inscrição”, informa o diretor. A desistência, segundo Marcos Roberto, se deu por questões diversas, mas principalmente por falta de agenda para atendimento. Por enquanto, a demanda ainda é pequena.
A capacidade mensal da Policlínica de Baturité é, atualmente, de realização de mais de 3.600 consultas e quase quatro mil exames mensais. Até a primeira quinzena de dezembro, havia realizado pouco mais de dois mil procedimentos desse tipo por mês. A meta da Secretaria da Saúde, de acordo com Régis Sá, titular da Superintendência de Apoio à Gestão da Rede de Unidades de Saúde (SRU), é de as policlínicas tipo 1 realizarem mais de 12 mil atendimentos a cada 30 dias.
O POVO consultou o Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará (Simec) e, sem pestanejar, a primeira dificuldade para a contratação de profissionais da saúde apontada pelo presidente José Maria Pontes foi a questão salarial. “Sem dúvida, o abandono é por conta do salário. As policlínicas oferecem salários miseráveis aos médicos”, informa o gestor do sindicato. O valor pago a esses profissionais, de qualquer especialidade, é de cerca de R$ 3.500, por 20 horas semanais.
Recursos humanos
“Quem faz a saúde não é só um bom hospital. O governador (Cid Gomes) fala que vai fazer o melhor sistema de saúde do País, com a construção de dois hospitais de grande porte. Mas o mais importante são os recursos humanos e ele tem de se preocupar com isso”, assegura. José Maria Pontes alerta para o fenômeno que vem ocorrendo em todo o Brasil. Os salários pagos pelo serviço público chegam a ser quatro vezes inferiores às remunerações na rede privada. “Não tem condição de um médico trabalhar para o SUS (Sistema Único de Saúde), se nos hospitais privados vão ganhar muito mais”, considera.
O piso salarial definido pela Federação Nacional de Medicina, segundo José Maria Pontes, é de R$ 9.188,20 para 20 horas semanais de trabalho. “O próprio PSF (Plano de Saúde da Família) tem uma remuneração bem melhor e, em alguns casos, supera o piso nacional”, informa.
Outro problema apontado pelo presidente do Simec é a falta de estabilidade. A falta de realização de concurso público não estimularia um profissional a sair da sua cidade para buscar empregos.
Enquanto não se entra em um consenso entre médicos e Governo do Estado, é justamente o ponto mais fraco que acaba sofrendo as consequências: a população. A aposentada Maria Nonata da Silva, 74, precisa de um cardiologista para o atendimento do filho José Vilani, 40. Os dois moram em Pacajus, na Região Metropolitana, e não sabem se o coração de Vilani vai ter paciência de esperar um médico.
Por quê
ENTENDA A NOTÍCIA
O argumento de muitos médicos para abandonarem o emprego nas policlínicas são os baixos salários. A Federação dos Médicos define o piso, para 20 horas de trabalho, em mais R$ 9 mil. As policlínicas oferecem salários de R$ 3.500.
Saiba mais
As policlínicas das cidades de Campos Sales, Aracati, Russas, Acaraú, Itapipoca e Icó estão com estrutura pronta. A promessa do Governo do Estado é inaugurá-las até o meio de 2012. As mais adiantadas são as das cidades de Campos Sales e Aracati.
Resumo da série
O POVO percorreu duas das policlínicas já prontas no Estado, a de Baturité e de Pacajus, e entrou em contato com usuários de outras duas unidades (Camocim e Tauá). Embora já tragam benefícios, o não funcionamento de várias especialidades trazem prejuízos à população. A de Pacajus sequer começou o atendimento.
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