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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Um líder por acaso e forjado na falta de diálogo na PM

O capitão que impôs uma derrota ao governo Cid Gomes fazia bicos em horário de folga
Ao centro, o capitão e hoje deputado estadual Wagner Sousa (PR). O parlamentar, que assumiu a vaga de Fernanda Pessoa, conseguiu votos dos insatisfeitos da PM e Corpo de Bombeiros (SARA MAIA)
Demitri Túlio
demitri@opovo.com.br

Até ser aclamado “líder” pela tropa miúda e intermediária da Polícia Militar e Corpo de Bombeiro, a única experiência política que o capitão Wagner Sousa havia provado não passava de uma participação sem protagonismo no Grêmio Escolar do Colégio 4º de Outubro. É uma escola particular da periferia de Fortaleza, localizada no bairro João XXIII. Foi onde o capitão viveu boa parte de seus 32 anos de idade, até sair da casa dos pais e se mudar para o Henrique Jorge, com esposa Dayane Bittencourt, com que teve um casal de filhos.

A liderança repentina, confidenciava-me no terceiro dia de ocupação do quartel da 6ª Companhia do 5º Batalhão da PM, havia lhe caído ao colo meio que por acaso. Há bem pouco tempo, por falta de perspectivas como oficial, Wagner Sousa esteve para pedir para sair das fileiras da Corporação. Só não o fez porque foi reprovado no último concurso para agente da Polícia Federal (PF), em 2009.

E, apesar de ter tirado o primeiro lugar no Ceará para virar policial rodoviária federal (PRF), não trocou de farda porque uma fraude ocorrida no Rio de Janeiro suspendeu a chamada dos aprovados no resto do País.

A decisão de estudar para concursos e se desligar da PM, conta o capitão Wagner, ganhou força depois que o militar passou a ser transferido com mais frequência de um quartel para outro na Capital e Interior cearenses. “Punição”, no entender do oficial que passou 12 anos e dez meses na PM.

As remoções teriam começado a partir de 2009 e intensificadas no ano passado. O capitão afirma que “somente” em 2011 passou pela 6ª Companhia do 5º Batalhão, serviu em Russas, Quixeramobim, Senador Pompeu e, por último antes de assumir uma cadeira na Assembleia, estava lotado no Hospital Militar.

Um requerimento enviado ao comandante geral da PM, na época o coronel William Rocha, em 2009, teria sido o estopim das animosidades entre os oficiais superiores que comandavam a polícia e o capitão.

No documento, Wagner Sousa fazia vinte considerações sobre os problemas crônicos e cotidianos da Corporação. Gritas antigas como os baixos vencimentos, falta de diálogo e a insatisfação, desta vez, de oficiais subalternos (tenentes) e intermediários (capitães). O descontentamento das praças, de tão recorrente, não era novidade e pouco comovia o andar de cima da PM e Secretaria da Segurança.

Bicos
Enquanto estudava para sair da Polícia Militar, Wagner Sousa, assim como a maioria dos policiais brasileiros, fazia bico em horário de folga.

Bacharel em Segurança Pública, diploma conferido a todos que passam três anos estudando para ser oficial da Polícia Militar, o oficial dava aula em cursinhos preparatórios para concursos. Ensinava legislação de trânsito e de segurança para completar a renda de R$ 3.300,00 que ganhava como capitão.

Mas veio 2010, e segundo Wagner Sousa, a insistência de amigos de patente, sargentos, cabos e soldados para que disputasse uma vaga de deputado estadual. “De início achei loucura, estava estudando. Queria resolver minha vida longe dos problemas da PM, mas acabei me envolvido por amigos que diziam que eu podia ser eleito”. Garante que a campanha foi feita no gogó e com pequenas doações.

Em cima da insatisfação da tropa e num vácuo de lideranças na PM, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil, Wagner Sousa conseguiu os surpreendentes 28.818 votos pelo Partido da República. Número que o colocou na suplência e, meses depois, o empurrou para assumir o lugar de Fernanda Pessoa, de atuação apagada e filha do prefeito de Maracanaú, Roberto Pessoa, um dos principais opositores do governador Cid Gomes (PSB).

O deputado capitão Wagner se sente ainda pouco prestigiado no partido. Ele reclama de não ter recebido apoio logístico da cúpula do PR, que não fez nenhum discurso de apoio à invasão do quartel da 6ª Companhia do 5º BPM. O militar, hoje na reserva, é apontado como liderança em consolidação. O risco é se perder pelo caminho e fazer como vários policiais militares e civis que surfaram na onda da insatisfação das corporações, mas não tiveram fôlego para escapar das manobras políticas e encantos do poder.

Quem

ENTENDA A NOTÍCIA

Após virar deputado estadual no Ceará, no ano passado, o capitão Wagner Sousa passou para a reserva remunerada proporcional. Pela tempo que passou na PM, 12 anos e 10 meses, recebe mais ou menos R$ 1.300,00.

Os personagens

A população ficou aliviada com o fim da queda de braço entre os militares e o governo. Passada a tsunami de boatos e medo, cabe a análise dos que ganharam prestígio e de quem foi mal no episódio:

Socorro França
Agora ex-procuradora Geral de Justiça - substituída no cargo ontem - liderou desde o início a negociação entre grevistas e governo. Atuou como mediadora experiente. O momento foi importante como marco de sua saída da PGJ.

Andréa Coelho
Há um mês assumia como defensora Pública Geral do Estado. O teste dos últimos dias, como intermediadora numa greve tão difícil, ajudou a cacifá-la. A própria categoria de defensores tem reivindicações junto ao governo.

Wagner Sousa
Desde que assumiu a suplência de deputado estadual, o capitão PM incomoda o governo. Liderou a greve, também com exageros, mas se fortaleceu. Teve o apoio do cabo Sabino e do subtenente P. Queiróz, líderes associativos.

Cid Gomes
O governador não fez nenhuma aparição pública desde que o movimento começou. Nas ruas, havia dúvidas sobre sua presença no Ceará durante a greve, apesar do governo confirmar. Desgastou-se no episódio.

Francisco Bezerra
A intervenção federal pedida pelo governador fica como marca de seus dias no cargo. Agora, precisará “reorganizar” a hierarquia dentro dos quartéis e ainda resolver a greve da Polícia Civil - a terceira em sua gestão.

Werisleik Matias
O comandante da PM viu a tropa desobediente a uma das principais regras militares, que é a proibição à greve. Na semana anterior à paralisação, afirmou que “greve não existe no vocabulário da PM”. Subestimou o movimento.

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