Numa época em que a velhice passa por renovação, até a sabedoria popular precisa voltar à escola. Ao contrário do que afirma o ditado, ensina-se truque a cachorro velho, sim. Prova disso são os programas de universidade aberta a idosos, que começaram a surgir no Brasil há quase duas décadas e vêm contribuindo para aumentar a participação social da população acima de 60 anos.
Mesmo com dois diplomas no currículo, de direito e jornalismo, Alfredo de Paula Neves, 94, voltou aos bancos escolares em 2007, com o objetivo de se atualizar. As aulas de português e informática têm especial relevância para ele, que pratica regularmente a escrita, inclusive ao redigir e-mails. "Estou por dentro da nova reforma ortográfica", afirma. "Aprender mais sobre culinária também é útil, pois cozinho para mim", ressalta Alfredo, sem dispensar as demais disciplinas, como filosofia, desenho artístico, teatro e tai chi chuan.
Além de manter o conhecimento em dia, a socialização é outro fator que mantém os idosos na sala de aula sem pressa para formatura. "Nas grandes cidades, as possibilidades de contato entre as pessoas no dia a dia se vê muito dificultada, principalmente para os que não fazem mais parte do mundo do trabalho. Nesse contexto, as faculdades abertas criam oportunidades para que idosos saudáveis possam superar o isolamento domiciliar e ganhar espaço público", afirma José Carlos Ferrigno, assessor da gerência de estudos e programas da terceira idade do Sesc (Serviço Social do Comércio) São Paulo, pioneiro no país em oferecer programação para idosos, ação iniciada em 1963, com um grupo de convivência.
Professora aposentada, Fantini Coelho Leão, 84, voltou a frequentar instituições de ensino no lugar de aluna. Se em casa, além dos afazeres domésticos, dedica-se ao bordado, na faculdade, prefere movimentar-se em aulas de aerodance ou terapias corporais. Viajante entusiasmada, é presença certa nas excursões organizadas pela escola e está ansiosa pelas aulas de espanhol.
Quando não está na aula, em casa ou viajando, Fantini pode ser encontrada passeando pelas ruas do bairro onde mora. "Qualquer coisa de que preciso é motivo para dar minhas voltinhas, e acabo encontrando algum conhecido, batendo um papinho", relata.
No que diz respeito à sociabilidade, gerontólogos enfatizam a necessidade da convivência entre idosos e pessoas mais novas, especialmente jovens. Ferrigno aposta em ações de coeducação entre gerações. "Ambos têm o que ensinar, com um efeito de valorização recíproca. E a flexibilidade não deve ser exigida apenas dos idosos, para acompanhar mudanças nos costumes e estilos de vida, mas também dos jovens, para aprender a lidar com os conflitos no encontro entre diferenças".
Patrício da Rocha Resende, 73, matriculou-se em um programa de universidade aberta para idosos em busca de convívio com pessoas de sua faixa etária. Já no trabalho, o advogado tributarista compartilha experiência com jovens profissionais. "Reduzi minha estrutura, mas nunca deixei de atuar como consultor, porque minha competência é inerente", afirma.
A rotina de trabalhar e estudar não o sobrecarrega, pelo contrário. "Percebi que tenho um potencial de conhecimento maior do que imaginava, e despertou em mim a vontade de escrever um livro". O novo projeto tem algumas páginas prontas. "Estou ensaiando", diz, sem pressa.
OTEMPO
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