Nesta Visita de Domingo, um texto sincero da atriz Tatá Lopes sobre o subúrbio e a classe C.
Não se fala em outra coisa: ela apareceu assim, como quem não quer nada, numa festa de bacana, sem ser mesmo convidada. De certo tipo de gente, ela tira o sono. Tem sido personagem de muitas histórias e, de uma hora pra outra, virou a celebridade da vez.
A classe C está aí para sambar na cara da sociedade.
Não se sabe quem a descobriu, efetivamente. Na verdade, ela sempre esteve aí. Hoje, mais crescidinha, com braços e pernas se estendendo por todo o país, membros fortes que foram devidamente estimulados pelo pai dos pobres. Ela mostra a cara e ri de quem até então a ignorou, muitas vezes pensando na sua inexistência ou colocando-a como mera coadjuvante nas histórias da vida. A classe C é como aquela menina dos filmes americanos que sempre sofreu bullying e que, depois de uma repaginada, volta triunfante à cena e esnoba a sua relevância no cenário atual.
Sempre achei essa coisa de dividir as pessoas em classe bem cafona. Sempre me soou meio fascista, não sei. E, sendo uma representante legítima da tal Classe C, vejo o quanto se aproximar dela agora é sinal de, acreditem, prestígio.
“Meu sobrenome vem da dinastia York, famosa família inglesa”, diria um classe A há uns anos. Hoje, o discurso nas rodas de festas da alta sociedade é: “Meu tataravô morava em Vila Valqueire. Sim, tenho descendência suburbana”, diria a moça orgulhosa de seu passado pobre.
Xuxa, disse em “O que vi da vida”, quadro do Fantástico em que personalidades são entrevistadas, que se considera uma autêntica suburbana. Admito que, de todas as confissões daquela noite, essa foi a que mais me chocou. Não sabia de seu passado em Bento Ribeiro. Não sabia de sua origem. Esta súdita pela primeira vez se sentiu mais próxima da rainha.
Dia desses, dei uma volta lá pela Zona Norte. Achei tudo barulhento, muito sujo. Pensei onde se encontraria a vantagem de morar ali, com a dificuldade no transporte, principalmente. Talvez o subúrbio esteja sendo demasiadamente glamourizado. Talvez Madureira seja a nova Leblon. Só que não.
No mesmo dia, dei uma volta em Botafogo. O lixo nas ruas era igual. O barulho dos carros, o mesmo. Pensei que a linha que nos separa talvez não seja apenas a Linha Vermelha, mas algo muito mais tênue.
Uma coisa no povo do subúrbio me atrai: um tipo de educação, um jeito de viver, uma maneira de ver a vida, não sei. Existe um charme suburbano, uma alegria que me toma o coração. Sempre achei festa de subúrbio mais divertida que festa de bacana. Um churrasco na laje tem valor inestimável. Como atriz, afirmo que fazer peça na Zona Norte dá mais prazer. Pobre ri mais alto e mais gostoso que rico.
Por fim, pra mim, homem que é homem mora no Méier.
Há algo de especial no homem da Zona Norte. Um cavalheirismo, um charme, uma pegada. Na Zona Sul falta tudo isso. Falta, inclusive, homem. Falo de homem de verdade, homem que te faz sentir especial, que te leva em casa, ainda que de ônibus, não importa. Homem que gosta de mulher. Homem que te deixa se sentindo a única, mesmo que ele tenha quinhentas outras. O homem que é homem do subúrbio faz falta em Ipanema ou no Leblon. O homem que é homem do subúrbio faz falta no mundo, eu diria.
Mas, ainda que fazendo parte da Classe C, não tenho vontade de morar no subúrbio. Talvez por ter já passado muitos anos da vida por lá. Talvez pela proximidade da praia que nunca tive e tenho agora. Só que, estranhamente, confesso também não conseguir ficar muito longe dele. É parte de mim, de quem eu sou. Tenho com orgulho descendência suburbana. Mas quero sair da Classe C. Quero mais. Quero poder viajar mais, quero realizar o sonho da casa própria, quero realizar meu churrasco numa cobertura na Zona Sul.
Quero virar Classe A, com minha alma de Classe C.
É isso.
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