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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Está rindo do quê? - Seduzir as mulheres.

IVAN MARTINS

Ouço dizer, cada vez com mais frequência, que as mulheres gostam de homens que as façam rir. Parece que elas querem tipos divertidos, alegres e espirituosos, que encham a vida delas de gargalhadas. Ouço isso e, francamente, acho um saco. Além de inteligentes, viris, bonitos e bem-sucedidos, agora temos de ser também engraçadinhos. Ha, ha, ha...
Quem inventou essa história deve ser um humorista. Para eles, esse negócio de fazer rir é moleza. Mas e o resto de nós? Imagino o leitor da revista masculina, fortão e limitado, a quem disseram que as mulheres precisam rir antes de transar. Ele está sentado diante da moça, no bar, e tenta, desesperadamente, pensar em algo engraçado para dizer. Lembra do pum que o colega deu no vestiário da academia e resolve contar a cena em detalhes, para a gatinha tímida que acabou de conhecer. Vai ser um sucesso.
Há também os mal-humorados. Eles são milhões e têm milhares de motivos para estar, permanentemente, putos da vida. O trânsito que não anda, a chuva que não para, a vizinha de cima que só faz barulho. O que eles vão dizer a loirinha que já está de sorriso armado, esperando a deixa para jogar a cabeça para trás e exibir, numa gargalhada, os dentes perfeitamente brancos, simétricos e alinhados? Eles podem falar da recessão global que se avizinha e vai arrastar bilhões de volta à pobreza. Podem comentar sobre o derretimento acelerado da calota polar ou sobre o desaparecimento irreversível dos peixes oceânicos. Pode ser que a loira queira rir da ditadura da Síria, da prisão de um cineasta do Irã, da fome na Somália, mas acho improvável.
Não, senhores, precisamos acabar com a ditadura leviana do riso. Ela é uma moda e, como tal, perfeitamente reversível. Nos anos 70, a onda era ser deprimido. Havia a ditadura, a crise do petróleo, o suicídio de toda aquela gente bacana.Quem estava feliz não sabia o que estava ocorrendo. Pegar uma mulher, naqueles anos, exigia angústia, melancolia, drama. Ainda que fosse insincero, era preciso estar sofrendo. Como essa onda passou, a do riso também passará.
A origem recente desse mito para mim é clara. Está no cinema e na TV. Gente como Woody Allen há 40 anos inventa personagens feios e neuróticos que seduzem mulheres estonteantes fazendo com que elas riam sem parar – inclusive deles. Na vida real não é tão fácil. Mia Farrow deve estar rindo até hoje do fato de Allen ter seduzido a filha adotiva dela e enteada dele. Ha, ha, ha...
A moral dessa história para mim é clara: não tente bancar o humorista se não for o seu caso. Tem gente que gosta de Kurt Cobain e tem gente que gosta de Samuel Rosa. Tem gente que acha engraçado o comercial da Gisele Bündchen e tem gente que acha que ela fez papel de retardada. Há pessoas que se relacionam com o mundo pelo riso, e esses são bons, e há os que resmungam com a vida o tempo inteiro, e são igualmente legais.Outra coisa a ser lembrada é que os roteiristas têm horas, dias, semanas, para pensar nas piadas “espontâneas” que seus personagens disparam na tela. Nós, em geral, temos não mais que alguns segundos, sob intensa pressão, para dizer algo brilhante ou calar a boca – e, geralmente, fazemos a opção errada.
Também é preciso dizer, em benefícios das novas gerações, que esse negócio de riso nem sempre funciona. Uma vez eu convidei para minha casa uma mulher que me tirava o sossego. Como a abordagem normal não estava funcionando, tentei a sedução pelo riso. Comecei as gracinhas quando ela passou da porta e não parei mais. Vinho, comidinhas, jantar e... gracejos. A moça já estava com rugas em volta da boca quando eu sentei ao lado dela no sofá e fui para o ataque. Ela riu, fez uma piadinha e repetiu o “não” que eu já tinha. Depois foi embora, levinha, provavelmente transar com um cara mais triste.
Se você é mal-humorado, não se deixe intimidar pela propaganda enganosa do modelo oposto. Conquiste a moça do seu jeito. Leve-a para ver Um conto chinês, o filme argentino em que o Ricardo Darin (quem mais poderia ser?) interpreta o sujeito mais rabugento e mais cativante do mundo. Ela vai entender a mensagem. Vai perceber que você pode ser um cara interessante sendo ranzinha. Há charme nisso. Há glamour em ser chato num mundo em que todo mundo se arreganha de rir. Inverta o jogo, aliás. Deixe a ela a tarefa de arrancar um sorriso da sua cara séria. É bom provável que ela adore.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

fonte: Revista Época

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