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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Mestre das massas

Ele tem o dom da cozinha e dos negócios, combinação não tão comum entre chefs renomados. Sergio Arno virou grife de sucesso. Tudo o que cria, parece que dá certo
 (Sara Maia) 
(Sara Maia)
Mariana Toniatti
marianatoniatti@opovo.com.br

 
Sergio Arno, 51, é um dos mais bem sucedidos chefs brasileiros. Seu nome virou grife. Com talento para a cozinha e os negócios, ele acumula prêmios e empreendimentos de sucesso. Recebeu o título de Melhor Chef de Cozinha Italiana da América Latina, ficando entre os cinco melhores do mundo e está à frente de oito projetos gastronômicos, fora os projetos menores que ele chama de “acessórios”.

Com uma biografia curiosa, Sergio Arno é o caçula de um dos donos da empresa de eletrodomésticos Arno e, durante um tempo, foi a ovelha negra da família, aquele que não vai tão bem no colégio e não faz planos de suceder o patriarca. Hoje Sérgio comanda o La Vecchia Cucina, sua primeira casa, aberta quando ele tinha 27 anos e acabara de voltar de uma temporada na Itália ao lado da primeira esposa, uma italiana de Milão.


Depois veio o Alimentari de Sergio Arno, o Armazém de Sergio Arno (misto de self service com rotisserie), o 33 de Sergio Arno, italiano super sofisticado em Salvador, o Renata Expressa, um fast food de macarrão instantâneo e a rede de franquias super premiada La Pasta Gialla, que tem uma das 21 unidades em Fortaleza.


Foi lá que ele conversou com O POVO numa passagem rápida pela cidade. Sergio veio comandar um jantar especial em comemoração ao primeiro ano do Pasta Gialla em Fortaleza e aproveitou para lançar seu último livro de receitas o Dez Anos de La Pasta Gialla, que há uma década faz sucesso com a culinária simples da Itália, difícil de desagradar.


Depois de almoçar um bife no restaurante, Sergio sentou de avental e tudo para a entrevista e pediu o resto do vinho branco que tomava (com uma pedra de gelo dentro, pecado mortal para os enólogos). Falando depressa e sempre polêmico, ele conversou por quase uma hora antes de voltar para a cozinha. Com 24 anos de carreira, colocar a mão na massa ainda é seu maior prazer.
 
O POVO - O senhor começou a cozinhar bem cedo, com 12, 14 anos. Que lembranças tem dessa época? Imagino que nessa idade tinha a companhia de alguém na cozinha. Era sua mãe?


Sergio Arno - Minha mãe não é uma pessoa influente na minha cozinha, apesar dela ter cozinhado muito bem. Aprendi com minha primeira sogra. Nessa época, mais novo, não fazia nada direito. Algumas coisas saíam boas, algumas ruins. Ia para a cozinha porque gostava de cozinhar, mas também porque queria comer. Depois, na adolescência, tinha uma fazenda pra onde levava os amigos e cozinhava. Com 14 anos era um feeling diferente. Punha tudo o que tinha lá e fazia umas coisas sem nenhum sentido.
 
OP - Essa aptidão virou profissão meio sem querer e te deu sucesso muito rápido. É um talento nato então?
Sergio - Tem que ter uma série de coisas nessa profissão, mas esse talento nato é nato mesmo. Sei cozinhar porque gosto de cozinhar, é uma coisa natural. Assim como para o Senna guiar carro era uma coisa natural. Você teve no mundo dez grandes pintores entre milhões, dez grandes escultores entre milhões e assim por diante. Isso aí nasce com o coração, com você. Você tem o dom de cozinhar. Eu não estou entre os dez melhores, pelo amor de Deus, não foi o que quis dizer, mas tenho o dom de cozinhar. Talvez eu esteja entre o um milhão de melhores do mundo. Mas é um dom e dom você não ensina, você nasce com.

OP - E o dom é o suficiente para se tornar um grande chef?
Sergio - Não. O dom é suficiente para você ser criativo. O resto é trabalho, esforço, estudo. Fui aprender para saber como fazer com que esse dom virasse realidade.


OP - No seu caso o tempo de experiência foi bem curto, não foi?
Sergio - Foi um ano e meio só. Não é nada. Por isso que eu digo, as pessoas acham que saem chefs de cursos de culinária, não. Demora pelo menos uns 15 anos para você se tornar um chef.

OP – E o que o senhor aprendeu nos primeiros 15 anos?
Sergio - Tudo. Sou um cara muito persistente, quero fazer as coisas. Vou te dar um exemplo, hoje estou aqui desde cedo. Não tem nada demais na programação. Vai ser um jantar normalíssimo. Não é (La) Vecchia Cuccina, é Pasta Gialla, um nível mais baixo, menos criativo, mas estou aqui desde manhã para ensiná-los a fazer as coisas. Podia dizer faz assim, tchau e ir embora. Mas 95% do meu trabalho é dedicação. Até hoje levanto de manhã para fazer compra. Hoje fui fazer compra aqui. Eu mesmo vou, não tem problema nenhum, não tenho que pedir para ninguém.

OP – Foi esse pique que te levou a montar tantos empreendimentos?
Sergio - Sou um cozinheiro que gosta de trabalhar, tenho esse meu lado de fazer as coisas porque sou muito empolgado. Vou te dar um exemplo que resume bem como sou. Tenho Facebook e há uns dois meses uma moça disse: ‘Adoro você, fui sua aluna uma vez, tenho uma pizzaria e queria que me indicasse uma pessoa para me fazer um novo cardápio’. Falei: ‘eu faço’. Ela respondeu: ‘não, não tenho dinheiro pra te pagar, tô recomeçando minha vida’. Aí falei: ‘mas quem falou que vou te cobrar?’ Ela não esperava isso nunca. Fui lá semana passada, peguei o cardápio e hoje de manhã ela me mandou um email dizendo que até hoje não acredita que vou fazer isso. Se eu sei fazer, por que não ajudar uma pessoa que está precisando? Não preciso de dinheiro, para ser sincero.

OP – Por que já ficou rico?
Sergio - Não sou rico. Está bom, vivo com o que tenho, não preciso comprar uma ilha ou um jato. Poderia ter muito mais, mas acho que não precisa. Gasto com comida e viagens.

OP - E nesse embalo de sair fazendo o senhor tem mais um projeto, o Cinque Piatti. O que vai ser?
Sergio - É como o nome diz: cinco pratos. A minha diretora do Pasta Gialla foi trabalhar comigo com a promessa de que teria uma rede dela sozinha que eu criasse. Ela quis o Cinque, eu criei. Ela está atrás de ponto agora.

OP – O senhor faz muitas parcerias assim?
Sergio - Mas não tenho sócio nenhum, não tenho sócio-investidor, não dependo de ninguém. Faço tudo sozinho. O grande lance da minha vida acho que é esse, não depender de investidor nenhum pra encher o saco. As coisas que tenho são minhas. Já criei o Cinque, já está formatado. Se ela quiser fazer, ela faz. Se ela não quiser, eu não vou fazer, mas aí vai ser uma franquia minha também.
 
OP - E como administra a rotina para manter a qualidade em todos esses empreendimentos?
Sergio – Acordo cedo e tenho muita gente boa atrás de mim espalhada por todos os lugares, sei o que acontece todo dia. Abro meus emails, tem o celular, e consigo entender um pouco quem está passando pelo quê, quem está precisando do quê. Estou sempre em São Paulo, mas uma vez por mês viajo uns quatro dias. Nesse caso aqui tinha o jantar para fazer, um ano de Pasta Gialla em Fortaleza, e o lançamento do livro. Semana que vem tem um cliente meu de São Paulo que quer fazer um almoço no Espírito Santo para lançar um produto dele, então vou para o Pasta Gialla do Espírito Santo. Viajo muito em função das franqueadas. Hoje cheguei 7h30min no restaurante, vou para o hotel só tomar banho e fico aqui até meia noite, uma hora com certeza. Faz 24 anos que estou nessa.

OP - O senhor também tem marca de café, carne, tudo premiado...
Sergio - Tem o azeite também. Tudo besteirinha. Não ganho nada com isso.

OP – Mas agrega ainda mais valor ao seu nome, não?
Sergio – Muito. Onde você coloca seu nome e as pessoas estão lendo, vão lembrar de você.

OP – O senhor faz uma culinária mais simples. O que acha da cozinha contemporânea, especialmente a fusion, emblemática dessas experimentações mais sofisticadas? É mais visual que sabor?
Sergio - Respeito todo mundo, quem faz cozinha fusion, molecular, são coisas super legais, deu uma nova dimensão para o mundo da culinária. O próprio Ferran Adrià, o ícone da cozinha molecular, tem uma coisa muito importante ali, ele mostrou que as coisas podem ser diferentes, podem se transformar. Respeito o Atala e sua cozinha brasileira criativa com um pouco de cópia do Ferran Adrià, mas ainda prefiro a cozinha que sei fazer, comida mesmo, que você mastiga e tem gosto. Tem que ter mesmo (a fusion), não acho errado, mas as pessoas estão voltando ao passado de novo. Minha cozinha é de comer, não de ver.

OP - O senhor renova muito os cardápios, é um dos seus pontos fortes. Como é esse processo criativo? De onde vêm as receitas? O senhor cria na cabeça ou no fogão?
Sergio - Crio quando viajo, quando pesquiso, leio. Sou um cara muito ligado nas coisas. Procuro entender um pouco o que as pessoas estão pensando e pensando em comer. Depois eu tenho esse lado irrequieto de fazer coisas novas então me ponho em diversas situações que favorecem isso. Quando venho pra cá sempre saio com uma ideia nova.

OP - O senhor fez compras onde em Fortaleza?
Sergio - Fui no (Mercadinho) Japonês, depois fui no Mercado São Sebastião, fui no Centro comprar queijo no Raimundo e depois na parte de ervas medicinais ver um negócio para o meu cabelo.
 
OP - E o senhor sempre incorpora algumas coisas da região no cardápio da franqueada. Daqui, o que gosta e usa no La Pasta Gialla?
Sergio -Carne de sol, queijo de coalho do seu Raimundo, que é maravilhoso, e mel de caju que eu adoro. Você conhece? (manda buscar para dar uma prova) Em São Paulo é moda e pouca gente conhece aqui. Comprei nessas barraquinhas do Centro. É forte, tem que diluir. Não tem nada demais, mas é muito bom.

OP - O senhor comentou numa entrevista na rádio O POVO/CBN que o mercado está saturado.
Sergio – (interrompendo) Aqui não, em São Paulo. Estamos num período muito difícil. O que se replica de restaurante não se replica em consumidores. A oferta está maior que o consumo. Só pra você ter uma ideia, mandei fazer um levantamento nos restaurantes que temos há 20 anos e esse foi o pior mês de agosto de todos. É efeito da crise, excesso de restaurante e pouco público. Estamos sofrendo muito.
 
OP - Em São Paulo o La Pasta Gialla é um restaurante barato. Por que essa diferença?
Sergio - O Pasta Gialla em São Paulo é um restaurante classe B, C. Em cidades menores como Fortaleza e Goiânia é classe A por falta de opção. O La Pasta daqui é exatamente idêntico ao de São Paulo em preço e em comida. O ticket médio é R$ 52, não acho que seja caro. Tem coisa muito mais cara aqui em Fortaleza. Acho que tem um ar mais imponente, mas é um restaurante normal, não tem luxo nenhum, é uma coisa despojada, uma cantina.

OP – Seu projeto mais recente é um fast food de macarrão instantâneo, o que poderia ser um sacrilégio para o “Melhor Chef de cozinha italiana da América Latina”. Teve muita crítica em cima do Renata Express?
Sergio - O Brasil é cheio de paradigmas que não existem. A massa instantânea não é melhor nem pior, não tem nada a ver. É uma farinha de trigo, uma massa normal, só que tem um processo de produção que deixa ela mais rápida. Ela passa no vapor, depois é frita e depois seca, tem meio caminho andado. As pessoas fizeram da massa instantânea um negócio de pobre. Não é verdade. O macarrão instantâneo nasceu no pós-guerra. O senhor Nissin criou essa massa porque as pessoas precisavam reconstruir o país e não tinham tempo para parar pra comer. Desse jeito, poderiam comer no próprio trabalho. Juntando um pouquinho de água quente, a massa ia reidratar e teria o mesmo valor nutricional que uma comida feita em casa. É muito mais profundo do que a gente acha. O que nós fizemos? Juntamos a praticidade da massa instantânea com um molho Sérgio Arno. Vende super bem, não tem nada de novidade nisso. Achei que o fast food estava tão batido, você anda e só tem as mesmas coisas.
 
OP – Todos os prêmios e o sucesso dos seus empreendimentos te dão mais tranquilidade para apostar em projetos polêmicos, mas o fato de seu nome ser uma grife também aumenta a pressão. Como fica seu ego nesse cenário cheio de vaidades? O senhor deu uma deslumbrada?
Sergio - No começo todo mundo dá, né!? Mas acho que depois de 24 anos fazendo isso nada mais me deslumbra. Ao contrário. Sou um cara normal, sempre fui. Há uns meses atrás um cara foi no Vecchia, comeu tudo e me chamou: ‘Vim comer e não gostei’. O que ele esperava que eu dissesse? ‘Ah sinto muito, não vou te cobrar’. Mas eu disse para ele pagar e não voltar mais. Sou meio assim, polêmico. O cliente tem razão até certo ponto. Se fosse há 20 anos, eu novinho, tinha feito exatamente o que ele queria. Hoje não estou nem aí. Não gostou, não volta.

Perfil

Filho de Carlos Arno, sócio-proprietário da Arno, a empresa de eletrodomésticos, Sergio nasceu numa família de classe alta. Estudou em colégios internacionais, onde foi sempre um aluno mediano, e descobriu cedo a cozinha de casa. Criança, brincava de inventar molhos e risotos misturando tudo o que podia.


Foi só depois dos 18 anos, quando começou a namorar uma italiana, que descobriu uma culinária mais requintada nas festas dadas pela sogra que o convidava para acompanhar o preparo de tudo. Aos 24 anos, sem emprego e vivendo na Itália, Sergio foi estagiar num restaurante só para não voltar derrotado para a casa do pai. Acabou descobrindo que aquele talento era também sua vocação profissional.


Tanto o chef quanto seus restaurantes acumulam prêmios. Veja alguns:


Melhor Chef de cozinha italiana da América Latina pela Costigliole d’Asti, na Itália
 
Personalidade Gastronômica pela revista Prazeres da Mesa (2004)
 
Prêmio Gula de Alta Gastronomia para o La Vecchia Cucina (Revista Gula 2006)


Melhor Cozinha Rápida para o La Pasta Gialla ( Revista Veja, 2002)
 
Melhor Cantina de São Paulo para o La Pasta Giala (Revista Gula 2003 e 2004)
 
Melhor dos Melhores para o La Pasta Gialla (Revista Gula 2005)
 
Melhor Cantina Italiana para o La Pasta Gialla (Revista Gula 2007 e 2008)
 
Sergio conta que não tem fama de estressado, (má) reputação comum entre chefs, mas de severo.
 
“Sou muito preocupado com tudo. Acho que a gente tem que ter um bom serviço. Encho o saco deles (apontando para os garçons). Quando chego aqui, eles tremem: lá vem o chato! Hoje dei dez broncas aqui no salão”
 
O chef é totalmente desapegado de suas receitas. No site www.sergioarno.com.br tem sempre algumas disponíveis.


Fora isso ele já publicou vários livros. O último, Dez Anos de La Pasta Gialla, pode ser comprado no próprio restaurante. Lá também é possível comprar as massas com a assinatura do chef produzidas em sua massaria que abastece todos os seus restaurantes e franqueadas . Para brincar de chef em casa

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