Indicada para o Oscar e homenageada do Festival de Berlim, Meryl Streep fala sobre filme em que interpreta Margareth Thatcher
LONDRES - Humanizar a trajetória de uma das mulheres mais polêmicas do Reino Unido, a primeira a assumir o cargo mais alto do parlamento britânico, e reavivar as lembranças sobre essa figura fascinante, autora de medidas extremamente impopulares, foi a missão a que Meryl Streep se dedicou ao interpretar Margaret Thatcher. Ainda hoje, 33 anos depois de se tornar primeira-ministra, a Dama de Ferro continua a nortear os rumos da política inglesa e ame-a ou deixe-a parece continuar a ser o modo como a maioria reage à menção do seu nome.
Danny Moloshok/Arquivo/Reuters
A atriz ao chegar à cerimônia do Globe Awards, na Califórnia
Em um quarto de hotel no Soho, em Londres, Meryl, de 62 anos, indicada para o Oscar de atriz por A Dama de Ferro e homenageada do Festival de Berlim, que começa no dia 9, falou ao Caderno 2 sobre o desafio e o fascínio de viver a controversa política, hoje com 86 anos, frágil e sofrendo de demência.
'Estado': Você disse que é o maior papel da sua carreira. Por quê?
Meryl Streep: Porque esta é a história apresentada na visão de uma senhora idosa, que foi apagada. Sempre me interessei em viver mulheres mais velhas, que tiveram uma vida difícil, mas este papel foi incrivelmente desafiador. Ser confiante não foi tão simples. Sou americana e gravar na Inglaterra, em meio a 200 atores britânicos, foi intimidante. Lembrei-me da época de colégio. Eu era uma das 16 meninas em meio a 6 mil meninos. Não tinha pensando nisso até o primeiro ensaio da cena do Parlamento, quando fiquei sem voz. Foi uma volta a 1970. Alguns na minha época de colégio estavam felizes por termos conquistado aquilo, mas a maioria não. Eles pensavam que o padrão do colégio tinha diminuído. Todas essas coisas de que a minha filha não tem ideia hoje em dia.
Assista abaixo ao trailer de "Dama de Ferro":
'Estado': Como humanizar uma mulher que nunca a atraiu em especial?
Meryl Streep: Parti do princípio de que ela é um ser humano, algo que não havia me ocorrido até um tempo atrás. O que mais me atraiu no projeto foi a ideia de fazer um filme sobre uma mulher idosa. Essa pessoa sem espaço e valor na sociedade. A única maneira de prestarmos atenção nesta senhora, por exemplo, foi pelo fato de ela ter sido a primeira-ministra do Reino Unido. Entende?
'Estado': Qual foi o maior desafio em interpretar Thatcher?
Meryl Streep: Eu realmente admiro o que ela conseguiu naquela época – sair do lugar tradicional da mulher na sociedade. Lembro quando ela foi eleita – eu não concordava com nada do que ela pretendia politicamente, mas secretamente, estava supercontente por ela ser a primeira mulher primeira-ministra. Era um tempo no qual a mulher tinha de deixar a mesa de jantar assim que a conversa se tornasse mais interessante, sobre política por exemplo. Eu me lembro disso quando estive aqui para filmar A Mulher do Tenente Francês (1981). Os homens esperavam as mulheres deixarem a mesa para conversar sobre política ou outras questões. Eu vivi isso. Nós íamos conversar sobre filhos ou moda. As profissões para as mulheres eram somente professora ou enfermeira. Não havia mulheres advogadas ou cirurgiãs. Fiquei muito interessada em usar o conhecimento que tenho daquela época no filme.
'Estado': Por que acha que Thatcher é uma figura tão polêmica?
Meryl Streep: Bem, admiro a perseverança dela. O nível de rejeição em relação a ela, era, e ainda é, extraordinário. Há tantos colegas que a ajudaram a formar sua política, e muitos ainda estão na vida pública, mas ninguém os desprezava. Ninguém escreve matérias sobre como eles destruíram o país. Havia um rancor reservado a ela, e parte disso vem do modo como ela era percebida. A maneira artificial como falava e projetava a voz; a fachada impenetrável que ela criou para ser uma líder. Fria, sem coração. Winston Churchill chorava em público frequentemente, e era algo considerado positivo – mostrava seu lado humano. Se fizesse o mesmo em público, Thatcher seria considerada fraca e não apropriada para aquele cargo. Então, o que me interessava não era somente como ela foi, mas o que ela tinha que ser para ser o que foi.
'Estado': Em algum momento, você pensou em desistir do filme?
Meryl Streep: Tive momentos de dúvida. Não quis começar até me sentir completamente sólida. Sabia que teria que estar preparada. As pessoas veem o trailer e esperam assistir a um filme político, e quando assistem percebem que é a história pessoal de uma figura política. Eu queria ser Margaret Thatcher, mas, no fundo, gostaria que aquela história fosse sobre mim ou qualquer outra pessoa. Queria que fosse sobre a existência, como fazemos escolhas em nossas vidas. Hamlet (de Shakespeare), mesmo sendo uma história sobre o Príncipe da Dinamarca, não é sobre o fato de ele ser príncipe, mas sobre perda de poder, e isso é o que nos interessa, na verdade.
'Estado': Como interpretar alguém que sofre de demência?
Meryl Streep: Tenho experiências com esta doença na minha família. Mas, na realidade, a demência que mostramos no filme é uma ferramenta para abrir as tristes memórias que ela tem daqueles três dias. Mas eu também tenho experiências suficientes no meu dia a dia de esquecer o que estava fazendo. Todos sabemos como é passar por isso.
'Estado': Você diria que tem algumas das qualidades de Thatcher?
Meryl Streep: Eu acho que sim! Sou muito mandona. Gosto de ser ouvida também, quando possível.
'Estado': Já se sentiu intimidada por alguém durante sua carreira?
Meryl Streep: Quando encontrei Al Pacino, após ele fazer O Poderoso Chefão. Foi em 1977. Nós tínhamos amigos em comum e um dia ele foi jantar na minha casa. Resolvi fazer espaguete. Eu estava tão nervosa que pensei: "Por que fazer espaguete para o Al Pacino?". Mas minha intimidação tinha a ver com a fama que ele tinha na época. Lembro de tremer quando ele tocou a campainha. Por isso, entendo como jovens atores se sentem.
'Estado': Este é um filme de orçamento modesto (US$ 14 milhões). Quais as dificuldades de realizar um filme com valores baixos?
Meryl Streep: Foi animador. A Invenção de Hugo Cabret, de Scorsese, custou US$ 170 milhões. Se tivéssemos dez vezes o nosso orçamento, teríamos muito mais tempo para fazer o filme. Mas acho incrível o que a diretora (Phyllida Lloyd) conseguiu com tão pouco. Não há luxo aqui, só a necessidade da história que queremos contar.
'Estado': Você acaba de ser indicada para o Oscar de atriz e será homenageada no Festival de Berlim.
Meryl Streep: Agradeço a atenção e estou orgulhosa deste filme e, claro, quero que ele seja visto.
'Estado': Você assiste aos seus filmes com frequência?
Meryl Streep: Não, não. Mas quando estou zapeando, às vezes não acredito e falo: "Aquela sou eu?". E me pergunto por que a personagem não fez isso ou aquilo.
'Estado': Como vai o seu projeto do Museu da História da Mulher em Washington?
Meryl Streep: Estamos trabalhando duro para conseguir permissão do Congresso. No momento, eles estão dando atenção às eleições, mas vai acontecer. A ideia é tão animadora – será o primeiro no mundo!
fonte: Estadão
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