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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A oposição que vem de dentro do governo





Problemas foram empurrados com abarriga como se fossem desaparecer ou ser resolvidos com o tempo


Uma das mais valiosas lições da política é a ausência de vazios. Espaços que se abrem são logo preenchidos. A ausência de oposição política ao Governo do Estado criou espaço para o surgimento de outras formas de contraponto, para além das forças partidárias. É verdade que o capitão Wagner Sousa é suplente de deputado pelo PR, mas o partido foi personagem nulo no movimento dos policiais em greve. A origem da mais forte contestação a Cid Gomes é o interior do próprio governo, no funcionalismo público. A parceria ou a animosidade na relação com os servidores parte determinante no sucesso de qualquer administração, em particular na meta de assegurar a qualidade na prestação dos serviços. Desde o segundo semestre do ano passado, deteriorou-se por completo o diálogo com duas das três áreas mais estratégicas: professores e policiais. Nos dois episódios, a proporção da crise ganhou proporções nacionais. Havia líderes distintos nos dois movimentos e uma mesma gestão a negociar. Não é possível que o governo entenda que o erro integral estava do outro lado, em ambas as oportunidades. A tendência é de a situação piorar. A sinalização transmitida pelo Palácio ao funcionalismo empurra os sindicatos de quaisquer categorias para a radicalização. O passado recente aponta para um futuro de muitas emoções. As consequências para o governador podem ser drásticas. Pelo Facebook, o colunista recebeu comentário do professor e sindicalista André Sabino. Ele lembrou o que aconteceu com o ex-governador Tasso Jereissati (PSDB): construiu relação sempre tempestuosa com o serviço público estadual, o que contribuiu sobremaneira para minar suas bases políticas em Fortaleza. Cid pode trilhar caminho parecido.



OS RISCOS DO COMPLEXO DE POLIANA
O maior risco que o Governo do Estado pode cometer no momento é tentar salvar as aparências quando muito mais que isso está comprometido. O discurso de que está tudo muito bom, tudo muito bem e o desfecho da greve foi ótimo simplesmente não se sustenta. Pior ainda se as autoridades acreditarem nisso. A administração precisa se recompor e o primeiro passo para isso é a dura e honesta análise do que se passou. O desastre não aconteceu na terça-feira. Ali houve a explosão. Àquela altura, não havia outra coisa a fazer senão ceder para evitar o pior. Os erros foram cometidos antes. Anos antes, até. Problemas foram empurrados com a barriga como se fossem desaparecer ou ser resolvidos com o tempo. Houve quebra da ordem constitucional, mas ninguém faz isso só para ver o circo pegar fogo. Certos ou errados - e houve boas doses de equívocos - os policiais se viram empurrados a levar o assunto ao extremo. Eles também se submeteram a grande risco ao radicalizar e quebrar as regras. Não se trata de ser condescendente, mas há de se refletir sobre o que os levou a arriscar tão alto. Quando se julga em desespero e sem alternativa, o ser humano é capaz de se transformar e cometer as atitudes mais extremas - é da sua natureza. Todos acabam perdendo com isso. O que motivou tais atos extremos deve ser motivo para reflexão, em particular do governo. O assunto não aceita respostas fáceis.

A FORÇA QUE MOVE A POLÍTICA E TRANSFORMA O MUNDO
O ano de 2011 foi daqueles depois dos quais as coisas não voltam ao mesmo lugar. A Primavera Árabe, o Ocupe Wall Street, os indignados pela Europa e os estudantes no Chile foram movimentos distintos, com motivações diversas, mas sintomas do mesmo fenômeno. É simplismo e miopia analisar de forma apartada os grandes movimentos populares que quase simultaneamente eclodiram nas várias partes do planeta. As diferenças conjunturais são menores que as semelhanças estruturais. Povos do mundo todo se insurgiram contra os poderes instituídos. Onde as estruturas eram mais rígidas e o autoritarismo maior, os fundamentos da dominação foram demolidos inapelavelmente. Quanto maior o peso do controle imposto sobre a população, mais furiosa foi a reação das ruas. Na coluna de 1º de dezembro, publiquei trechos de conversa com Ruy Braga, professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Ele dizia que, no Brasil, os ecos dos levantes populares se manifestavam em formas e setores tradicionais, por meio sobretudo das greves. De fato, 2011 começou com paralisações em obras do PAC, teve greves de professores praticamente em todo o País, além de movimentos locais específicos. O protesto dos policiais militares cearenses não necessariamente ocorreu em função desse cenário de conjuntura. Mas ele se dá no momento em que o mundo ferve. Tal contexto não pode ser desconsiderado.

Povos de todo o planeta são protagonistas do que talvez seja a primeira transformação profunda que a política conheceu neste século que se inicia. As relações entre governantes e governados vêm sendo reconstruídas em bases completamente novas. A ideia de que o poder emana do povo é cada vez menos princípio filosófico e mais prática de exercício da autoridade governamental. Com erros e acertos, a ação direta de habitantes de partes diversas do globo começa a reinventar as instituições e as formas da velha política.


Érico Firmo
ericofirmo@opovo.com.br

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