Agricultura familiar: desafio para equilibrar sustentabilidade e renda Cerca de 70% do mercado interno é alimentado pelos pequenos produtores
Elizangela Araújo, coordenadora geral da FETRAF
O agricultor familiar é aquele que vive da renda de uma área pequena, com mão de obra basicamente da família e seu ganha-pão é justamente o cultivo de seu terreno. Apesar disso, nós devemos aos quase quatro milhões e meios de agricultores todo o abastecimento interno de alimentos. “Estimamos hoje que 70% do mercado interno é alimentado pela agricultura familiar”, comenta Elizângela dos Santos Araújo, Coordenadora Geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar, a FETRAF. “Isso porque enquanto os agricultores de grande escala se concentram basicamente em grãos, o agricultor familiar produz diversificadamente”, explica.
O reconhecimento legal da agricultura familiar em 2006, através da lei 11.326, foi um marco para o segmento que ainda é comemorado. “Foi uma grande conquista nossa e apenas o Brasil tem este reconhecimento legal”, diz Elizângela.
Os incentivos para os agricultores familiares começaram antes de 2003, mas ganharam fôlego nos últimos oito anos. O principal deles, o Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – começou com recursos de R$ 2 bilhões e, na próxima semana, o Governo Federal deverá anunciar a liberação de uma verba de R$ 16 bilhões com o lançamento Plano Safra da Agricultura Familiar (2011/2012).
O montante demonstra o investimento do Governo Federal no segmento que com a liberação de recursos pretende aumentar a produção de alimentos, além de gerar renda no campo e promover a organização econômica dos agricultores familiares, assentados pela reforma agrária e povos de comunidades tradicionais.
O Pronaf é um programa de crédito dividido hoje em diferentes modalidades. O agricultor apresenta um projeto, leva ao banco e, se aprovado, recebe um empréstimo que ajuda no custeio (plantios imediatos) e investimentos na propriedade. “Infelizmente os contratos ainda são pequenos diante da grande demanda”, lamenta Elizângela. “Os créditos ainda chegam com dificuldade ao agricultor”, diz.
Ainda assim, os agricultores aguardam com ansiedade o anúncio do Plano Safra, que trará mudanças como redução de juros, maior apoio às famílias e garantia de preços mínimos, entre outras medidas. “Isso vai ajudar a garantir a renda e viabilizar nossa produção”, comemora.
As características da agricultura familiar fazem destes trabalhadores fortes aliados potenciais do país quando se trata de conservação ambiental. “Nossa experiência com o programa Rio Rural mostra que é possível preservar”, comemora Helga Hissum, coordenadora do projeto que há seis anos trabalha em 50 microbacias hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro. O foco do programa é a preservação da Mata Atlântica sem impedir que as comunidades rurais de base familiar tenham seu sustento.
A solução encontrada foi a autogestão sustentável dos recursos naturais, que, mesmo com resultados positivos, ainda está longe do ideal. “É um trabalho árduo porque estes agricultores foram empurrados para áreas de mais difícil acesso, justamente das nascentes e partes íngremes”, explica. “O principal eixo a ser mantido é a renda e, para inserir este agricultor na campanha ambiental, é preciso também fornecer tecnologia para que ele se sustente”, comenta Helga Hissum.
A adoção de práticas mais sustentáveis, do plantio à colheita, é ao mesmo tempo um desafio e um objetivo comum de agricultores e ambientalistas. “Para produzir não precisa desmartar”, concorda a coordenadora do Fetraf, Elizângela Araújo.
Na experiência do Rio Rural, o trabalho de conscientização tem sido feito através de cartilhas onde sempre é destacada a importância de preservar. Todo trabalho é monitorado e há sempre a preocupação equilibrada quanto ao meio ambiente e o sustento do agricultor. “Esta flexibilização tem sido importante para se encaixar à realidade do agricultor familiar”, diz Helga. A identificação das espécies de maior capacidade de adaptação à área e a reintrodução de vegetação nativa são exemplos adotados para ajudar na biodiversidade e geração de renda.
Até o momento, o Rio Rural contabiliza que cerca de 1.776 agricultores já receberam incentivos financeiros (total de R$ 4 milhões) para adoção de práticas conservacionistas e sustentáveis, associadas às suas atividades produtivas. Dentre eles, 792 hectares de mosaicos de uso das terras amigáveis na conservação da biodiversidade; 22.100 hectares de terras sob práticas agrícolas sustentáveis; 1.241 hectares de matas ciliares e florestas nativas reabilitadas; 370 técnicos capacitados nos conceitos-chave de sustentabilidade; 5.730 beneficiários treinados e 3.000 participantes em eventos de educação ambiental.
Para a Fetraf, há outro desafio além da recuperação das áreas: a alimentação saudável. “Embora o Brasil seja o campeão de uso de agrotóxicos, o agricultor familiar não usa estes produtos e nosso sonho é que todos adotem um novo modelo de produção”, diz Elizângela. “Este é um momento extremamente positivo para os agricultores familiares: de maturidade e fortalecimento. É possível fazer esta mudança”, afirma.
fonte: Globo Ecologia
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