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terça-feira, 12 de julho de 2011

Como seria a vida do homem contemporâneo sem o viagra...


O processo da ereção começa, de fato, no cérebro, mas de tal modo preocupa aos homens que Leonardo da Vinci escreveu e comentou a respeito do pênis: “Frequentemente o homem dorme e ele fica desperto, muitas vezes o homem esta disposto e ele dorme, outras vezes quer usá-lo e ele não quer ser usado, e quando menos se espera ele quer, mas o homem o proíbe...” Parece incontestável, que o pênis tem mente própria.

Mais recente agora, em pleno século XXI, o comediante Robin Williams arriscou comentar em um de seus shows: “Deus nos deu um pênis e um cérebro, mas sangue suficiente para fazer funcionar apenas um de cada vez”. Nas questões relacionais, enquanto a maioria das mulheres tem como preocupação o poder da sedução e o vínculo amoroso, entre os homens o foco continua sendo a genitalidade e ereção. A questão da rigidez peniana transcende o tempo a tal ponto que, nas culturas primitivas, vários povos utilizavam objetos pesados amarrados ao próprio pênis com propósitos de crescimento, simbolismo de força, demonstração de poder, capacidade reprodutiva e obter respeito dos inimigos.

Galeno, médico e filosofo (viveu entre os anos 130 e 200 d.C.), afirmava que somente o calor interno do corpo masculino permitiria a exteriorização do pênis, ao contrario das mulheres que, por não possuírem este calor vital, teriam o órgão fálico introvertido, sendo então reconhecidas e desmerecidas como homens imperfeitos. Desde o ano de 1140, quando foi publicado o Decretum de Gratian (leis canônicas), a disfunção erétil passou a ser considerada pelas leis católicas motivo justificado para anulação do casamento. Neste período, era sugerido que o casal formado por um marido impotente tentasse viver como irmão. Se não fosse possível o arranjo, a mulher tinha autorização para casar novamente.

A ausência de filhos no matrimônio era inconcebível e o remetia ao pecado mortal da fornicação (sexo pelo sexo). Para definir a condição do marido disfuncional, era praxe, na época, submetê-lo a um teste realizado na presença do padre e da esposa, com a exposição do impotente a uma mulher de reconhecida honestidade, que se apresentava diante do acusado com os seios expostos e o beijava e acariciava, dedicando especial atenção ao seu pênis e a tudo que pudesse levá-lo a uma ereção.

Também nessa época, ocorria a prática do “congresso”, evento patrocinado pelos tribunais eclesiásticos como parte do processo para anulação de um casamento com base na impotência do marido. O casal era levado a permanecer alguns dias confinado em dependências do tribunal, onde deveria dormir junto com o objetivo da penetração. O procedimento era assistido por grupos de até 15 pessoas, além de uma mulher mais velha e experiente que lhes oferecia dieta própria, massagens com óleos mornos e orientação quanto a caricias e abraços. Ao fim do período, a acompanhante relatava às autoridades da igreja o que vira na presença do casal.

O mundo contemporâneo resignificou valores ditos masculinos ao incorporar como saudável a valorização do prazer nos papéis sociais. Com essa mudança, em grande parte decorrente da revolução sexual durante o movimento hippie na década de 70, o desconforto advindo da obrigatoriedade de assumir comportamentos associados à masculinidade, tais como o controle das emoções e dos sentimentos e os pesados papéis diante da família e sociedade, refugiaram-se sintomaticamente na virilidade.

A ereção passou a constituir um campo de fachada e do semblante, fato de profundas repercussões nas identificações masculinas que transbordaram a dimensão da carne em direção ao subjetivo inconsciente de forma imobilizadora. Com o advento das pílulas contraceptivas em 1960, a mulher finalmente pôde optar entre o sexo prazeroso e o reprodutivo.

Tal descoberta, que modificou atitudes comportamentais e possibilitou o prazer orgástico livre de preconceitos sociais vigentes, refletiu na fragilidade sexual masculina acobertada pela atitude compreensiva ou resignada da parceira até então relegada à condição de reprodutora. Tal fato histórico tirou a impotência do armário e colocou pela primeira vez a libido masculina em xeque. Hoje sabemos que 45,1% de todos os homens a partir dos 18 anos apresentam, de forma crescente com a idade, algum grau de dificuldade de ereção (ABDO, 2004), sendo a prevalência maior a partir dos 45 anos, principalmente pela incidência maior de doenças nesta faixa etária.

Dificilmente a disfunção erétil se manifesta associada a uma determinada causa apenas. O processo de ereção é tão complexo que está sujeito a bloqueios por variadas condições. Fatores de risco, tais como obesidade, tabagismo, alcoolismo, medicamentos de uso continuo, antidepressivos, estresse e sedentarismo, potencializam os riscos da disfunção erétil.

Também influem o nível cultural, crises relacionais, financeiras e da identidade de gênero, causando ansiedades e bloqueios na transmissão dos circuitos neurotransmissores de noradrenalina, dopamina e ocitocina que atuam junto aos estímulos de sensações prazerosas. Há milênios o homem perpetua a busca pelos representativos que reforcem a masculinidade, sejam eles na forma de alimentos ou de símbolos. Sansão fazia dos cabelos o afrodisíaco de sua masculinidade. Hércules, com musculatura testosterônica, transpirando masculinidade, realizou os 12 trabalhos para obter status entre os Deuses do Olimpo e era dotado de um membro de 33 centímetros e um quarto de circunferência. O simples mortal foi buscar na associação entre gula, luxúria e poder o simbolismo potencializador da ereção como símbolo representativo do masculino.

Assim, o consumo de substâncias ditas estimulantes do desejo sexual, seja por associação com as formas dos genitais (ostras e aspargo), como pela sugestão (órgãos genitais de animais), seria responsável pelo aumento da força e da vitalidade, pois boca e sexo conjugam o mesmo verbo. Dentre os ditos afrodisíacos (substâncias reparadoras da energia vital e excitantes dos apetites sexuais) encontramos alimentos como ervas, raízes, temperos e bebidas conhecidas pela capacidade lúdica de criar forças para a vitalidade sexual.

Hoje, em pleno século XXI, o homem, atordoado pela incompletude, mas respaldado pelos avanços científicos, procura uma reancoragem mais segura do masculino como estratégia do registro fálico, seja na pornografia via internet como, também, nos fármacos indutores da ereção, pois a postura necessária para sua compreensão como unidade saudável e volúvel aos sentimentos de igualdade de gênero não dispõe de tempo hábil para seu crescimento.

Independente das causas (psicológicas e/ou médicas), o sintoma e a doença causam desequilíbrio psicossomático pelas constantes ameaças que representam à integridade funcional do indivíduo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) inclui dentro do quesito saúde o sexo como um dos quatros pilares para uma vida melhor (saúde, moradia, alimentação, trabalho).

O desdobramento dessas metas resultou na descoberta de vacinas, medicamentos, exames sofisticados, experimentos com células-tronco, genética embrionária, alimentos mais saudáveis e outras comodidades que facilitarão cada vez mais (segundo projeções) a vida de nove bilhões de pessoas neste pequeno planeta no ano de 2050. Mulheres e homens atingirão mais facilmente faixas etárias de 81 e 71,8 anos, respectivamente.

Descoberta
Em 1998 os médicos ficaram surpresos com o efeito colateral (ereção em um grupo de homens) causado por uma substância usada em testes laboratoriais para cardiopatas. O Sildenafi l (Viagra) tornou-se em pouco tempo o avanço mais importante no tratamento da disfunção erétil. Poucas drogas foram mais estudadas. Mais de 11.000 pacientes/ano foram observados em estudos clínicos em todo o mundo. A cama como palco de desempenho como atestado ou reforço da virilidade parecia ter no Viagra um aliado importante.

O gozo pleno era finalmente realizável pela eficácia mecânica do remédio, que atenderia, em princípio, a abordagem médica organicista em uma sociedade fálica. O alívio temporário obtido pela restauração das “forças” de um órgão (pênis) que polariza todas as representações da angústia – ineficaz ao desconsiderar todo um processo multifatorial que fragiliza e expõe todo o funcionamento psicossomático do homem frente a seu universo – catapultou de maneira clara, sofrida e constrangedora a necessidade do acompanhamento psicoterapêutico com a natural migração do sintoma fálico para fora dos genitais, colocando em questão não somente a sexualidade, mas também a própria masculinidade.

Para Freud, o sintoma é o retorno do recalcado, do que se tornou inconsciente, mas continua produzindo efeitos por não deixar de existir no aparelho psíquico e clamar por expressão. O sintoma é o fracasso do recalcamento que, se fosse eficaz o suficiente, não deixaria conteúdos inconscientes forçarem a passagem e a consciência por intermédio do somático motor “O gozo fálico é o obstáculo pelo qual o homem não chega a gozar do corpo da mulher, precisamente porque o de que ele goza é o gozo do órgão”.

O lançamento do Viagra em 1998, o primeiro fármaco para o auxílio da disfunção erétil, mostrou-se seguro e eficaz. O medicamento melhora a ereção na maioria dos problemas que impedem ou inibem a ereção, só existindo contra indicação para quem faz uso de nitratos (grupo específico de medicamento para baixar a pressão).

A resposta, a princípio fria e desconfiada por parte do público feminino – quanto ao receio da desvalorização do papel de sedução no envolvimento erótico –, foi suplantada pela compreensão do funcionamento da droga, que age como mantenedora da ereção após ser obtida com o estimulo sexual do objeto amoroso.

Dessa forma, o medicamento torna-se um importante aliado entre parceiros que, impedidos por problemas orgânicos ou emocionais, encontram dificuldades no exercício da sexualidade plena. O Sildenafil usado como facilitador da ereção, intermediado pelo desejo – condição essencial para o preenchimento dos corpos cavernosos –, estimula a retroalimentação para o fortalecimento de vínculos.

Se a pílula anticoncepcional impulsionou a revolução sexual nos anos 60, o Sildenafil produziu um simulacro de revolução, pois o homem disfuncional recupera sua autoestima com a possibilidade do pleno exercício de sua sexualidade. O uso da droga marca uma mudança importante na forma como as pessoas enxergam hoje o distúrbio que, décadas atrás, era considerado uma questão basicamente psíquica.

Com o sucesso obtido com o público masculino, a indústria vem testando diversos produtos para o tratamento do desejo sexual hipoativo feminino, que deverão chegar ao mercado em breve, possibilitando o estudo e a compreensão da dinâmica relacional.

Os medicamentos pró-sexuais funcionam sob o comando individual de cada cérebro, a partir da intensidade do grau de atração, ampliando desta forma a pulsão natural percebida pela construção entre as pessoas. Atualmente, geriatras prescrevem com segurança medicamentos que sustentam uma ereção desejada pelo casal, estimulando e dando uma melhor qualidade de vida afetiva, comprometida pelo envelhecimento natural dos órgãos.

Casais silenciosos de suas fantasias precisam avaliar a possibilidade em prol de fronteiras mais permeáveis, se assim desejarem. Se no passado havia relutância entre a maioria dos homens em buscar ajuda para as disfunções sexuais, devido à ausência de resultados eficazes com os tratamentos disponíveis, hoje em dia existe uma diversidade de tratamentos, tanto psicológicos quanto medicamentosos, que respondem de forma comprovada, bastando apenas que exista um mínimo de aproximação entre os pares.

De maneira breve e objetiva, as questões que antes angustiavam e afastavam o indivíduo dos cuidados básicos com a saúde e do exercício de sua plena capacidade erótica sexual agora são abordadas, desmistificando antigos conceitos relativos ao comportamento masculino, estimulando um olhar sistêmico para o binômio corpo/mente.

No segundo semestre de 2010 caiu a patente do remédio que no Brasil consome um milhão de pílulas ao mês e movimenta R$160 milhões por ano, perdendo em vendagem apenas para os EUA. Tal fato será, do ponto de vista da saúde pública, de extrema importância, pois permitirá o acesso de camadas de baixo poder aquisitivo ao medicamento.

O lançamento do medicamento para ereção mecânica possibilitou uma profunda reflexão na estrutura comportamental masculina da mesma forma que ocorreu com o gênero feminino por ocasião do advento dos contraceptivos orais.
Seria difícil a reflexão e a real oportunidade de usufruir o conjunto da obra de uma forma sistêmica. A valorização e o entendimento do significante fálico falaram mais que fazer do medicamento um simples seguro contra a broxada.

O gênero produz-se nele como um efeito contra essa desproporção de sua realidade individual, como um desejo de reencontrar, em outro indivíduo de sua espécie, o sentimento de si mesmo unindo-se a ele, de se completar e envolver, assim o gênero em sua natureza e trazê-lo a existência. O impotente é disfuncional para transformar gozo em prazer pela baixa autoestima fálica. Para Lacan, “não há virilidade que a castração não consagre”, e se falha a castração pode advir à impotência.

Freud, em seus escritos quanto à tendência universal à depreciação na esfera do amor, comenta: se ampliar o conceito de impotência psíquica e não se restringir o malogro em realizar o ato do coito, em circunstância em que esteja presente o desejo de obter prazer e o aparelho genital esteja intacto, podemos, em primeiro lugar, acrescentar todos aqueles homens que são descritos como psicanestésicos: homens que nunca falham no ato, mas que realizam sem deles derivar qualquer prazer especial.

A impotência relacionada ou não ao quadro disfuncional, quando cristalizada no homem como uma estrutura doentia, torna-se refratária ao medicamento pela impossibilidade deste não intermediar a correta leitura e interpretação entre o inconsciente com o histórico sexual do individuo ao sintoma (disfunção erétil).

O medicamento encontra sua verdadeira expressão quando o quadro disfuncional faz parte de um instante da vida abalando a autoimagem da virilidade e afastando o gozo fálico, que será conseguido com estímulo de excitação física e libidinal, suficiente para trazer alívio através da descarga orgástica.


ESG.

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