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quinta-feira, 1 de março de 2012

Mulher ordinária

Com Alessandra Negrini no elenco, a montagem A Propósito de Senhorita Júlia chega a Fortaleza para apresentações de amanhã a domingo, no Teatro Celina Queiroz, da Unifor


Considerado um dos pais do teatro moderno, o sueco August Strindberg (1848-1912) escrevia peças com uma dramaturgia naturalista, de exploração psicológica dos personagens e um olhar muito particular sobre a posição social da mulher em seu tempo. No prefácio de Senhorita Julia, o autor deixa claro ser contra a vontade da mulher em ser igual aos homens. Criada por uma mãe feminista, a personagem aristocrata Julia é vista por Strindberg como uma “semi-mulher”, pois ao mesmo tempo em que alimentava desejos pelo seu próprio criado, não conseguia rejeitar os valores de sua posição. Pela honra perdida e por não se conformar com sua própria “natureza” – nas palavras de Strindberg –, ela comete suicídio.

Nos tempos atuais, a “lição de moral” da peça soa demasiadamente anacrônica. No entanto, o espetáculo A Propósito de Senhorita Júlia faz uma adaptação da peça de Strindberg para o contexto do Brasil do início da era Lula. Após a estreia no Rio de Janeiro no início do ano, o espetáculo chega a Fortaleza para uma temporada de apresentações neste fim de semana, no Teatro Celina Queiroz. “É o momento em que, pela primeira vez, um operário ascende ao poder político no Brasil, em que se criou finalmente um clima de justiça social. Mas a relação entre patrão e empregado ainda permanece na nossa sociedade”, explica por telefone o diretor Walter Lima Júnior. Na adaptação, Júlia (interpretada por Alessandra Negrini) é filha de um político corrupto e milionário. Ela tem um caso com Moacir (Armando Babaioff), o motorista particular de seu pai.

“Na nossa sociedade, as mulheres têm voz presente, mas ainda existem uma série de conflitos arraigados na relação homem e mulher, principalmente no que diz respeito ao poder de um sobre o outro, da vontade de subir na vida”, afirma o diretor. Em A Propósito de Senhorita Júlia, a protagonista demonstra carência afetiva, por ter acabado de romper o noivado. “Ela está insatisfeita, embriagada e quer experimentar ficar no meio de uma festa com os empregados e dançar com eles”. Se na sociedade sueca de Strindberg as diferenças entre as classes eram gritantes, na montagem brasileira há um pouco mais de proximidade. “Não existem mais nobres e plebeus. Aqui as coisas estão mais ou menos sincretizadas por uma convivência convencionada. É você lá e eu aqui. Se eu pulo o muro, estou ultrapassando meus limites e cometo uma infração”, pontua Walter Lima Júnior.

Apesar da adaptação, elementos universais da peça de Strindberg são mantidos pela montagem. “É como se o Strindberg levantasse a bola para nós ao falar de questões de sexo e de classe, da relação entre empregado e do padrão, do poder entre homem e mulher. Ele fala de sentimentos tão ricos e presentes”. Um dos acontecimentos que permanece na montagem é o suicídio de Júlia, que é interpretado não exatamente como fruto de desonra, mas como perda de controle sobre as próprias decisões. “Ela entra em processo de loucura. Os caminhos que fazem a personagem chegar a esse ponto são paralelos, mas não chegam a ser idênticos aos da peça original, porque afinal de contas são duas culturas diferentes”.

Conhecido na história do cinema brasileiro por seu trabalho como diretor de longas como Menino de Engenho (1965), A Lira do Delírio (1978) e A Ostra e o Vento (1997), Walter Lima Júnior aproximou-se do teatro por gostar de trabalhar diretamente com atores. “Não me sinto estranho no teatro, mas adequado. Todo dia é uma possibilidade nova. No cinema, a câmera é um olhar. No teatro, o palco é do ator. O diretor tem controle sobre a compreensão do espetáculo, mas não sobre como ele acontece no momento. Pode surgir o acaso. No cinema, você filma e está pronto e, quando algo dá errado, você corta na montagem”, comenta Walter. Por acreditar no trabalho em equipe e na contribuição do ator para os personagens seja de uma peça ou de um filme, Walter Lima Júnior não costuma trabalhar com preparadores de elenco. “Não penso em intermediários na relação com os atores. Gosto de pactuar com os atores. Posso até usar um preparador corporal, mas no fim das contas a relação é entre mim e o ator”, comenta.

Com Alessandra Negrini e Armando Babaioff, o desafio maior foi de afinação. “No meu processo de trabalho, não gosto de nada decorado. É uma questão de puro conhecimento. Quanto mais os atores conhecem aquele universo, mais eles se apossam do texto. Os dois atores são generosos e gostam do meu trabalho tanto quanto gosto deles”, diz o diretor, que dirigiu anteriormente Alessandra Negrini no longa Os Desafinados (2008). Para o cinema, Walter Lima Júnior já está com um roteiro pronto de um longa, que planeja rodar em Pernambuco. No teatro, ele pretende encenar no segundo semestre a adaptação do romance policial Os Espiões, de Luís Fernando Veríssimo. Por enquanto, ele dedica-se às apresentações de A Propósito de Senhorita Júlia, que após Fortaleza, segue para o Rio Grande do Sul e São Paulo.

O quê

ENTENDA A NOTÍCIA

Dirigido por Walter Lima Júnior, o espetáculo A Propósito de Senhorita Júlia é uma adaptação do texto de August Strindberg para o contexto do Brasil da era Lula. Alessandra Negrini e Armando Babaioff participam do elenco.

SERVIÇO

A Propósito de Senhorita Júlia 
O quê: espetáculo dirigido por Walter Lima Júnior, com Alessandra Negrini e Armando Babaioff no elenco.
Quando: sexta e sábado, às 21h; e domingo, às 19h 
Onde: Teatro Celina Queiroz (Unifor – avenida Washington Soares, 1321 – Edson Queiroz)
Duração: 90 minutos 
Classificação etária: 14 anos
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia) 
Outras info.: 3477 3033 / 3477 3175
fonte: O Povo


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