A MESA
Por Nonato Furtado
Talvez toda cidade tenha aquele local de encontro de sua massa crítica. Isso é presente em muitos relatos históricos e também na literatura. No romance Aves de arribação do cearense de Antonio Sales, que relata o cotidiano de uma cidade fictícia por nome Ipuçaba, esse lugar é a feira. Na obra, a feira é o lugar onde surgem as mais variadas conversas, convertendo-se no ponto de encontro semanal de muitas pessoas. A Grécia antiga tinha a Ágora, onde aconteciam as discussões políticas e os tribunais populares. Classificada como o espaço da cidadania e símbolo da democracia direta. Na França, os cafés ganharam notabilidade entre os intelectuais como espaço de interação e discussão de diversos temas da atualidade. Em Fortaleza, a Praça do Ferreira entrou para a história como o coração da cidade e espaço para reunião de diversos grupos de intelectuais. Cada grupo se reunia em um espaço diferente da praça. Mas, ficou muito famoso o “banco da opinião pública”, inaugurado em 1922 e reinaugurado a 1º de fevereiro de 1942, no qual se reuniam para palestrar, durante a tarde, personagens famosos da cidade alencarina. Da mesma forma, Sobral tem o Beco do cotovelo. Considerado por muitos o lugar mais pitoresco da cidade, ponto de encontro de aposentados e parada obrigatória para quem quiser estar inteirado das novidades da cidade. Em Pentecoste, temos um local bem peculiar. Para alguns, “Mesa da democracia”, para outros, “Mesa da Coca” ou simplesmente “A Mesa”. É importante destacar que não é necessariamente uma mesa. Às vezes, são duas, três e na maioria das vezes são várias, ou até nenhuma. Nesse caso, o balcão serve como acomodador. Atualmente, a sorveteria do Rafael, localizada na Av. Dr. José de Borba de Vasconcelos, a principal da cidade, abriga este espaço. As mesas ali têm um charme à parte, elas têm vários destaques embaixo dos plásticos que as recobrem. No geral, notícias que foram bastante comentadas no local. A dinâmica não muda muito. Seus freqüentadores puxam algumas cadeiras e sentam-se ao redor das mesas e são conduzidos por pautas diversas e aleatórias. Uma notícia de destaque no jornal do dia, uma polêmica matéria tirada de um blog, dados do TCM, gravações de programas de rádios, fotografias, uma fala do prefeito na inauguração de uma obra, a reunião da câmara de vereadores, notícias sobre a política local e nacional, dentre outros. Esses são motes bem frequentes para longas horas de um bom bate papo. E não tão raro, alguém que para no comércio em frente ou que passa na rua também vira pauta. “Rafael, desce uma Coca!”, “Traz um côco pra mim!", "Quero uma cerveja!" .
Os gostos são diversos. Pronto, é só sentar que lá vem história. Assim, podemos dizer que “A Mesa”, nesse contexto, não é um objeto. Ela é a soma da pluralidade de seus freqüentadores que são professores, aposentados, comerciantes, políticos, radialistas, jornalistas, funcionários públicos, sindicalistas, militares, estudantes, universitários, poetas, loucos, curiosos e muitos outros tipos bons de papo. São essas as figuras assíduas do local. Mas, vale ressaltar que o público é predominantemente masculino. “A Mesa” desperta olhares variados. Desde os admiradores do grupo, aos que esbravejam aos quatro cantos classificando-os como desocupados. Além disso, o espaço é uma espécie de câmara de ressonância dos acontecimentos da cidade. Dizem até que a administração municipal tem lá seus espiões. “O que é que o povo da Mesa anda comentando?” Assim, seguem os freqüentadores da Mesa. Uns degustando pedaços de sonhos, outros amargando suas descrenças, uns politicamente articulados, outros não entendendo os detalhes das articulações partidárias relatadas na mesa, uns experimentando o início da vida profissional, outros lamentando a aposentadoria, uns com brilho nos olhos, outros olhando de lado, tímidos e exibicionistas, ateus e religiosos, torcedores do Fortaleza e, logicamente, do Ceará. É dessa pluralidade que é composta “A Mesa”. Respeitando as devidas e necessárias proporções, podemos dizer que a Ágora está para a Grécia antiga, os cafés para a França, a Praça do Ferreira para Fortaleza, o Beco do Cotovelo para Sobral e “A Mesa” para Pentecoste.
*Nonato é Mestrando em Linguística (PPGL/UFC), graduado em Letras (Português –Espanhol) – UFC, graduado em Pedagogia – UVA. Atua como professor de Língua Espanhola na graduação dos cursos semipresenciais da UFC/UAB, ministra palestras sobre Literatura Brasileira em escolas de Fortaleza, um dos atuais articuladores do Programa de Educação em Células Cooperativas – PRECE (Extensão da UFC). Escreve contos, crônicas, e envereda pela poesia.
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