segunda-feira, 19 de julho de 2010
Empresa Ideal
Quem disse isso foi Flávio Toledo, um grande mestre em organização empresarial. Estávamos numa sessão de treinamento, e ele, pensativo, comentou:
"A mais perfeita empresa, a mais surpreendente que eu conheço do ponto de vista o operacional, é a escola de samba."
Ante nosso espanto, ele continuou: "Que outra instituição deste mundo conseguiria capitalizar todos os esforços de 10 mil sambistas, moradores do morro da Mangueira e arredores? Eles comparecem pontualmente durante semanas ao mesmo local. Ensaiam coreografias, decoram a letra e a melodia de sambas complicadíssimos; fazem pesquisas históricas; concebem cenografias holywoodianas; confeccionam milhares de adereços e organizam centenas de costureiras num barracão que é um primor de linha de montagem. Os sambistas lidam com milhões de dólares e pagam a fantasia do próprio bolso. Além disso, obedecem cegamente às ordens dos fiscais, chegam sem atraso à concentração e ajudam a empurrar carros alegóricos. Aí sambam por uma hora e ainda choram se a escola perde. É incrível! É muito mais complicado organizar uma escola de samba do que a General Motors."
E prosseguiu em sua insólita comparação: "Por que é que uma funciona com a perfeição de um relógio suíço e a outra não?" Ele mesmo deu a resposta: "É que numa escola de samba os objetivos e valores dos sambistas são rigorosamente os mesmos da diretoria. Todos querem a mesma coisa: desfilar bem."
Os empresários muitas vezes perdem milhões ou até a própria empresa por esquecer um princípio simples que rege as leis de convivência: as coisas só acontecem, na empresa, na escola de samba, no partido comunista, no governo ou em qualquer outro grupo, se as pessoas envolvidas quiserem que aconteça. O gerente de banco precisa convencer seu atendente de que tratar bem o cliente é uma coisa importante. Já o diretor da escola de samba não precisa convencer nenhum sambista da necessidade de sambar bem. Esse desejo já é dele. Para os planos de marketing darem realmente resultados é preciso que todos na empresa, do presidente à copeira, da diretoria aos boys, queiram genuinamente que eles dêem certo.
Todo treinamento que tenha por objetivo valores estranhos às pessoas envolvidas se transforma em adestramento: é o mesmo que ensinar um cachorro a trazer o chinelo. O grande problema do adestramento é que o adestrado, seja um presidente de empresa, seja um chimpanzé, se não pratica todos os dias, acaba sempre esquecendo o truque. As coisas só acontecem com a renovação constante do estímulo.
A cena é clássica: empregados reunidos no refeitório da empresa, copos de refrigerantes, salgadinhos, e o diretor que faz o discurso: "Olha, estamos aqui para comemorar mais um sucesso do nosso plano de redução de custos. É uma satisfação comunicar que, graças ao aproveitamento do verso das folhas do computador, reduzimos nosso consumo de papel em quase 20%. Com a introdução do sistema de uso coletivo dos banheiros por turno, aumentou o tempo de presença na linha de montagem em quase 80%. Esperamos que os nossos próximos programas 'Não jogue o toco' e 'Uma mesa para dois', nos propiciem novos sucessos. Parabéns a todos. Esperamos continuar contando com a sua colaboração."
Ou o inverso: o clássico memorando sobre o uso do telefone da firma para chamadas pessoais: "Caso esses abusos não terminem, seremos obrigados a proibir o uso dos nossos telefones para assunto particular. Assinado: A Gerência.
Nos dois casos é pouco provável que a empresa obtenha sucesso, uma vez que os valores por ela propostos - a reutilização de folhas usadas de papel ou o uso do telefone exclusivamente para assunto de trabalho - são conflitantes com os desejos e valores dos funcionários. Imaginemos um sambista que divide o seu tempo entre trabalhar durante o dia numa repartição pública e à noite sambar. No emprego, os seus valores são opostos aos do seu chefe. Se puder, dorme um pouco mais e chega atrasado, tira quarenta minutos para o café, leva dois jornais para ler no banheiro, arranja atestado médico para faltar e deixar um paletó avulso no espaldar da cadeira ao sair do escritório para cuidar de assuntos particulares. Ameaças reprimidas, conselhos, nada muda o seu procedimento.
Pôr quê? Porque ele não acredita nos valores da empresa para a qual trabalha. Às quatro e meia, alegando para o chefe que tem que ir ao dentista, ele larga o trabalho, pega duas conduções, chega apressado em casa para pegar o tamborim e deixa de jantar para não chegar atrasado ao ensaio na quadra. O ensaio termina à meia-noite, mas ele fica um pouco mais para ajudar na limpeza. Sai à uma e meia exausto, contente, já pensando na desculpa que vai arranjar para chegar atrasado ao escritório no dia seguinte. É a mesma pessoa.
Na repartição, trabalha mal. Na escola, trabalha de graça e se esforça. Pôr que o paradoxo? Freud mais uma vez explica: "O ser humano é programado para procurar o prazer e fugir da dor". Se a empresa ameaçar de forma convincente, pode conseguir cooperação enquanto durar o medo. Ao contrário, quando o ato a ser praticado é estimulante, a pessoa faz, mesmo que ninguém peça.
Num plano de marketing, seja o lançamento de um produto, seja um aumento de participação, é fundamental a existência de uma sintonia entre os valores objetivados pelo plano e os valores das pessoas que vão estar envolvidas na operação. Muitas vezes, ao participar de uma convenção para o lançamento de um projeto, constatamos que os vendedores e os gerentes estão "frios".
É uma sensação aterrorizante, porque prenuncia o fracasso da operação. Nunca é demais lembrar: se os vendedores não gostarem do produto, não há campanha de propaganda, promoção ou oferta que consiga salvá-lo. Muitos lançamentos fracassam porque antes ninguém se deu ao trabalho de perguntar a um vendedor o que ele achava da idéia. O caminho seguro para o sucesso de uma tarefa é fazer com que as pessoas nela envolvidas tenham prazer em executá-la.
Espírito igual ao da escola de samba é objetivo importante para se perseguir num projeto de marketing. Além dos dados de mercado e das pesquisas sobre comportamento do consumidor, é muito importante responder à pergunta: os valores deste projeto são comuns à empresas e à equipe envolvida no seu desenvolvimento?
Em nosso próximo plano de marketing, é bom começarmos comprando um disco de samba-enredo.
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